Crimes contra animais: a consagração da impunidade
Por Marli Moraes
Atos bárbaros contra os bichos sempre ocorreram desde o
primeiro contato nosso com os que chegaram aqui há milênios e sempre ocorrerão
porque vemos nas espécies não-humanas apenas objetos com as mais variadas
serventias.
Muitas barbaridades foram cometidas em nome de qualquer coisa, sejam nos
rituais religiosos, nos circos, nas arenas de touradas, nas caçadas reais, nos
matadouros, nos criadouros, nas universidades e laboratórios onde sádicos
torturam e matam em nome da ciência e a maioria dessas crueldades tem carimbo
oficial, reconhecidas por leis e outras desculpas e se tornam convenientemente
aceitáveis pela sociedade por serem legalizadas, ou seja, oficializam a
matança; o que não nos impede de combatê-las, de mostrarmos o lado obscuro e
cruel dessas atividades.
É uma luta desigual, mas não desistiremos.
A diferença é que em certas situações, essa agressividade pode e deve ser
contida pela punição proporcional ao ato, que de modo nenhum pode e deve ser
considerado de menor potencial ofensivo, expressão debochada sobre os gritos de
dor de um bicho sendo torturado.
Em outra ponta encontramos os crimes individualizados, no varejo, atualmente
muito divulgados pela imprensa que localizou nas redes sociais da internet os
Movimentos de Defesa dos Animais; viu aí o termômetro de uma parcela da
sociedade até bem pouco tempo excluída do processo político e por isso
desdenhada até mesmo por essa mesma imprensa, que hoje dá visibilidade à nossa
Causa. Nos últimos meses os canais de TV passaram a exibir vídeos chocantes,
cenas de filme de terror que alertaram a sociedade sobre uma realidade que nós
conhecemos há muito tempo.
Casos de crueldades se repetem e nada acontece porque temos
uma legislação molenga bem ao gosto do brasileiro: em cima do muro, tentando
não desagradar as duas partes; só que, no caso dos animais não estamos
satisfeitos, queremos mudanças e radicais, não aceitaremos maquiagem na Lei
9605/32, ou qualquer artigo.
Descoisificar o animal não-humano é nosso propósito, dar a ele
o estado legítimo de direito como um ser vivo provido das mesmas emoções que as
nossas, merecedor portanto, de respeito e reconhecimento Jurídico.
Queremos, não estamos pedindo, estamos sugerindo e exigindo
uma legislação onde o crime contra uma vítima sempre indefesa e inocente seja
punido com um equivalente ao ato, seja o cometido por adultos ou um
"dimenor"; o que importa é o potencial de periculosidade enrustido na
mente de quem tortura um ser vivo e segundo as estatísticas do FBI, 85% dos
"serial killer" treinaram em seus animais de estimação; se a Lei
9605, em si, oferta a liberdade por sua própria fragilidade, isso significa
colocar nas ruas um assassino de humanos como se fosse uma bomba relógio, e a
faixa etária não pode ser usada para atenuar a intensidade do ato.
O tempo urge e a cada dia, mais animais sofrem nas mãos de
quem deveria estar na cadeia e por isso desejamos ações rápidas, sem as já
conhecidas enrolações legislativas, até porque muitos que simplesmente
desprezam a Causa irão se aproximar com pele de cordeiro, interessados de
última hora.
Uma proposta de iniciativa popular está sendo cogitada; que seja então
elaborada com sugestões as mais radicais possíveis, não podemos correr o risco
de nossos ideais de Justiça sejam esfacelados pelas inúmeras emendas que serão
colocadas no trâmite do Congresso. É aí que entra a maquiagem da bondosa Lei
9605 a que me refiro, não há a menor possibilidade de aceitarmos esmolas.
Com uma lei justa, bem formatada, sem brechas,
inteligentemente regulamentada ainda assim precisaremos da trilogia abaixo:
- uma Delegacia Especializada, ou setores determinados em
todas as unidades policiais com Policiais voluntários; assim nos livraremos das
ironias quando vamos tentar registrar uma ocorrência envolvendo animais;
- uma Promotoria voltada para os crimes contra a fauna
não-humana; um processo acusatório bem montado por quem de fato se interessa,
dá mais suporte e esperança de que as provas e a verdade não desapareçam dos
autos; também com voluntários;
-um Juizado Especial - pouco adiantam as duas etapas acima
se o processo cair nas mãos de um Juiz comum que não gosta de bichos e tiver em
mãos uma lei idiota.
O que muitos poderão dizer: matam gente... e nada acontece.
Então, estabelecemos aí as diferenças: nós, defensores dos animais não somos
exatamente acomodados sabemos como exercer em toda sua plenitude a cidadania e
não nos conformamos com a impunidade; nenhum de nós vai diante das câmeras de
TV perdoar um criminoso, rezar por ele como é comum acontecer, hipocritamente.
Ora, se as pessoas perdoam seus algozes, monstros que assassinam seus filhos,
como cobrar dos políticos leis mais severas? Esses mesmos políticos estariam na
contramão da voz da sociedade boazinha que só vendo.
Nós, não, não perdoamos, queremos Justiça e Justiça séria, não essa palhaçada
legal.
Vamos sacudir essa inércia custosa que é o Congresso. Se nossos políticos não
se sensibilizam com os milhares de mortes covardes de pessoas de bem, se ainda
criam todos os estímulos, incentivando e premiando marginais com regalias mil,
até o abominável auxílio-reclusão, conosco eles terão que justificar seus
salários e mordomias.
E se você gosta da nossa disposição, admira nossa coragem,
compareça em sua cidade no dia 22 de janeiro na manifestação por uma legislação
justa para os crimes cometidos contra os animais.
Seja bem vindo a um Movimento nascido nas bases, nas raízes populares, um
clamor que vem de longe e e agora toma corpo com a inclusão digital o que nos
permite uma ampla a troca de informações.
Dedico esse dia aos milhares que choraram pelas injustiças e se foram
carregando em seus corações a tristeza da impunidade. Suas lágrimas não foram
em vão, estamos aqui, um exército de voluntários armados com muita paixão e uma
determinação inabalável. Um exército onde cada um é seu próprio líder.
Aos que chegam agora estou certa de que continuarão essa luta.
"Sou extremista porque quem é moderado na proclamação
da verdade, proclama somente a metade da verdade e deixa a outra metade velada
por medo do que o mundo dirá." (Gibran)
*Marli Moraes, carioca da gema, é dona de casa, presidente da Resgato,
sociedade civil sem fins lucrativos e ativista pelos direitos dos animais.
http://resgato.blogspot.com
http://ongresgato.blogspot.com
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